Em cidades como São Paulo são muitos os casos de espaços que passaram por transformações expressivas ao longo do processo de desenvolvimento urbano. Antigas praças e largos desaparecem, edifícios são demolidos e substituídos por outros e marcos da paisagem se transformam em referências perdidas na memória quem ali viveu. Muitos desses casos de demolição e reconstrução de espaços e lugares estão associados a processos de apagamento e silenciamento das referências culturais e urbanas de grupos sociais minoritários ou tidos como indesejáveis. Apesar destes apagamentos, certos sinais permanecem silenciosos no tecido urbano.
Nesta edição do Patrimoniar conversamos com Abílio Ferreira — jornalista, escritor, pesquisador e ativista do movimento negro — a respeito desses processos de silenciamento, dos sinais que permanecem e de como é possível lidar com o espaço urbano na perspectiva de um jogo em busca destes sinais — um jogo que articula resistência e apropriação da cidade. Conversamos especialmente sobre acontecimentos recentes ligados à memória e ao patrimônio cultural no bairro da Liberdade e sobre o caso da Capela dos Aflitos, localizada nesta região.
A Capela dos Aflitos, embora hoje em posição central na metrópole, fazia parte de um cemitério construído nos antigos limites da cidade de São Paulo. O bairro se urbanizou sobre este cemitério e a capela permaneceu sufocada e escondida pelas construções do entorno. Ao longo dos anos, em função do antigo cemitério, ela se transformou em elemento importante da memória negra e indígena em São Paulo e sua restauração foi pautada por estes grupos. A Prefeitura de São Paulo, então, procedeu à realização de um concurso de ideias para um projeto de um memorial anexo à Capela: o resultado deste concurso, contudo, foi contestado pelos movimentos que a pautam como patrimônio cultural em função de problemas na proposta vencedora apontados como insensíveis e ofensivos à memória daqueles que estão enterrados no antigo cemitério e daqueles que estabelecem com a Capela hoje uma relação de afeto e respeito. Trata-se de um caso fundamental para pensar nos limites, contradições e potencialidades das práticas de preservação.
Abílio Ferreira é escritor, jornalista e pesquisador interessado nas questões ligadas à história urbana. Teve participação ativa em mobilizações culturais e políticas ligadas ao movimento negro desde os anos 1980, tendo participado do movimento de literatura negra e do coletivo Quilombhoje. É organizador e co-autor do livro Tebas: um negro arquiteto na São Paulo escravocrata e é fundador e coordenador do Instituto Tebas.
COMPLEMENTOS
- O livro Tebas. Um negro arquiteto na São Paulo escravocrata, organizado por Abílio Ferreira e publicado pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo, pode ser baixado aqui (PDF direto aqui).
- Leia o artigo de opinião Onde está a negritude no projeto do Memorial dos Aflitos em São Paulo?, publicado em dezembro de 2022.
- Veja os projetos finalistas do concurso do memorial da Capela dos Aflitos.
- Acompanhe os trabalhos do Instituto Tebas.
- Ouça a edição do Patrimoniar com Gisele Brito a respeito da memória negra no Bexiga.
- Leia sobre o episódio da adição da palavra “Japão” ao nome da praça e da estação de metrô Liberdade.
- Acompanhe a programação do CPC em usp.br/cpc e no perfil @cpcusp no YouTube, Facebook, Twitter e Instagram.
CRÉDITOS
O programa foi produzido por Eduardo Kishimoto e Gabriel Fernandes em outubro de 2023. A edição é de Eduardo Kishimoto.
sobre o podcast
Reconhecer, documentar, preservar, valorizar, interpretar, lembrar: patrimoniar.
Patrimoniar é o podcast do Centro de Preservação Cultural – Casa de Dona Yayá (CPC), órgão da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da Universidade de São Paulo voltado à reflexão e ação sobre o patrimônio cultural. No Patrimoniar conversamos sobre lugares, edifícios, lembranças, afetos, disputas, partilhas, culturas e naturezas: falamos, enfim, sobre o patrimônio cultural, aquelas práticas e coisas tão fundamentais para nossas identidades e memórias.
Ao longo dos programas a equipe do CPC falará com pesquisadores, profissionais, ativistas e interessados no patrimônio cultural. Em meio a essas conversas também vamos percorrer as referências culturais de nossa vizinhança, da cidade, da universidade. Entre conversas e documentários vamos patrimoniando.
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