Carta patrimonial da USP

A Universidade de São Paulo reúne um dos mais ricos patrimônios brasileiros, que vem sendo constituído ao longo dos mais de 80 anos de sua existência. São acervos artísticos, arquitetônicos, documentais, bibliográficos, científicos e culturais, espalhados em sete campi e em uma dezena de municípios. Integram esse patrimônio edifícios, museus, unidades de ensino com vasta documentação científica relativa à prática docente e de pesquisa; e uma dinâmica vida universitária plena de referências culturais de professores, estudantes e funcionários. Frente à complexidade de refletir e zelar por tal diversidade de patrimônio, o Centro de Preservação Cultural propôs a elaboração de uma Carta Patrimonial para aproximar todos os envolvidos à questão do seu próprio patrimônio, bem como estabelecer alguns parâmetros para a sua conservação.

Considerando os desafios apresentados pela a complexidade do patrimônio a USP, o processo de elaboração da Carta envolveu uma série de discussões internas e debates abertos à comunidade uspiana. Serviram de referência as várias cartas que regem o patrimônio nacional e internacional, decretos e artigos da constituição brasileira referentes ao tema, além de bibliografia específica e fontes importantes no âmbito da Universidade, como Diagnóstico sobre as potencialidades museológicas da USP, elaborado pelas professoras Maria Cecília França Lourenço e Maria Cristina Bruno, em 2000, e os inventários sistemáticos que o CPC vem realizando sobre bens arquitetônicos, sobre acervos e coleções e sobre referências culturais.

Como resultado, tem-se na Carta Patrimonial um documento que propõe princípios, diretrizes e orientações para a gestão do processo de patrimonialização dos bens culturais da Universidade de São Paulo, envolvendo ações de identificação, inventariação, preservação, salvaguarda e valorização do patrimônio cultural universitário.

Princípios

  1. Considerando o artigo 207 da Constituição Federal, que destaca a indissociabilidade das funções universitárias de ensino, pesquisa e extensão, e tendo por base os preceitos do artigo 216 da Constituição Federal, o patrimônio cultural da Universidade de São Paulo abrange o conjunto de bens de natureza material ou imaterial que façam referência à identidade, à ação e à memória dos diversos grupos formadores da Universidade.
  2. São indissociáveis as dimensões material e imaterial dos bens culturais uma vez que todo patrimônio imaterial se realiza em uma dimensão material e todo patrimônio material possui uma dimensão imaterial de significado e valor.
  3. Os bens culturais universitários incluem, mas não se limitam, às manifestações e referências culturais ligadas às práticas de ensino, pesquisa, extensão e à vida universitária, promovidas por estudantes, professores e funcionários da Universidade, bem como pela sociedade a ela externa, como festas, lugares, paisagens e celebrações; rotinas, práticas, modos de fazer, de criar e tradições acadêmicas; acervos de natureza arquivística, museológica e bibliográfica em suportes analógicos e digitais; espaços, sítios e conjuntos arquitetônicos e urbanísticos; lugares de memória e de consciência e paisagens; criações científicas, artísticas e tecnológicas.
  4. Os bens culturais acima referidos constituem-se na medida em que seletivamente se atribuam a eles, por parte dos vários grupos formadores da Universidade, valores, sentidos e significados variados.
  5. Os processos de patrimonialização se enriquecem na medida em que os vários discursos e narrativas envolvidas se confrontam, sejam elas marcadas por argumentos técnicos, científicos ou subjetivos. Nesse sentido, o processo deve se dar em uma perspectiva democrática e de dissenso, na qual os vários anseios dos diferentes coletivos e discursos presentes na Universidade se façam ouvir.
  6. São partes legítimas para solicitar abertura do processo de patrimonialização todos os membros da comunidade universitária, individual ou coletivamente, nas condições previstas nesta Carta.
  7. Os sentidos, significados e valores atribuídos aos bens culturais possuem historicidade e estão sujeitos à transformação. Eventuais alterações no processo de patrimonialização deverão ser discutidas pelas partes competentes e pelos interessados, e referendadas pelas instâncias responsáveis.

Objetivos

  1. Promover uma cultura patrimonial plural e democrática, aberta ao dissenso e à multiplicidade de narrativas, sentidos e significados atribuídos aos bens culturais associados aos vários grupos formadores da Universidade.
  2. Apresentar diretrizes e recomendações para o estabelecimento de políticas públicas, programas, projetos e ações de identificação, salvaguarda e difusão dos bens culturais no contexto da Universidade de São Paulo e fornecer subsídios à implementação adequada de tais iniciativas sobretudo aos órgãos executivos.
  3. Respeitar e difundir, no contexto da Universidade, as normas e legislação relevantes ao campo do patrimônio cultural, em especial o artigo 216 da Constituição Federal de 1988, o Decreto 3.551/2000, a Portaria 127/2009 do IPHAN, a Lei 8.159/1991, o Decreto Estadual 48.897/2004, a Lei 12527/2011, o Decreto Estadual 58.052/2012, as normas e leis municipais e estaduais cabíveis, assim como as normas da Universidade.
  4. Constituir instrumentos específicos de inventariação, preservação, salvaguarda, valorização e difusão para cada categoria de bem cultural de modo a operacionalizar os princípios aqui traçados. As categorias incluem, mas não se limitam a:
    1. Conjuntos, construções e sítios (bens arquitetônicos e urbanísticos, conjuntos edificados, obras de infra-estrutura, sítios de interesse arqueológico e paisagens);
    2. Acervos e coleções (reunidos institucionalmente ou difusos, de natureza museológica, arquivística e bibliográfica, independente do suporte);
    3. Referências culturais (formas de fazer e de criar; rituais, celebrações, festas, formas de expressão; lugares, territórios e paisagens constituintes de manifestações culturais, de memória e de consciência; atividades e práticas cotidianas próprias da experiência e da vida universitária)
  5. Instruir para que esses instrumentos específicos, associados às categorias apresentadas, sejam constantemente revisados, fomentando-os por meio das recomendações contidas nesta carta.

Recomendações

  1. Para a Universidade
    1. Dialogar com o Sistema Estadual e com o Sistema Nacional do Patrimônio Cultural.
    2. Difundir, interna e externamente, nas várias instâncias e órgãos, o conjunto de princípios listados neste documento.
    3. Criar condições para uma ação integrada e responsável dos seus vários órgãos executivos cujas atribuições envolvam os bens culturais.
    4. Estimular nos Campi, Unidades, Órgãos, Institutos, Museus, entre outros segmentos da Universidade, a formação de conselhos de gestão dos bens culturais de composição paritária.
    5. Colaborar nos processos relacionados à gestão dos bens culturais pertencentes à Universidade junto aos órgãos externos de preservação existentes nas várias instâncias, segundo os ritos aqui traçados.
    6. Estabelecer políticas de fomento aos bens culturais, na forma de editais, fundos, apoio técnico, etc
  2. Para os interessados e proponentes de iniciativas patrimoniais, no âmbito da Universidade:
    1. Manter diálogo ativo com os órgãos públicos, internos e externos à Universidade, cuja atribuição institucional envolva a inventariação, preservação e difusão de bens culturais — particularmente, na USP, o Centro de Preservação Cultural, o Arquivo Geral, o Sistema Integrado de Bibliotecas, a Superintendência do Espaço Físico, a Superintendência de Gestão Ambiental, os Conselhos Gestores e Comissões de Gestão Ambiental dos Campi, e, externamente, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Instituto Brasileiro de Museus, o Sistema Estadual de Museus de São Paulo, o Conselho Nacional de Arquivos, o Sistema de Arquivos do Estado de São Paulo, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo, bem como dos órgãos municipais de preservação
    2. Garantir a participação dos grupos envolvidos com os bens culturais.
    3. Registrar de forma sistemática o conjunto de ações conduzidas junto aos bens culturais visando sua preservação e difusão pública.
    4. Adotar os princípios, as diretrizes e as recomendações desta carta, de modo a garantir a multiplicidade de interpretações sobre o patrimônio cultural.