O edifício conhecido como Casa de Dona Yayá, localizado na região popularmente conhecida como “Bexiga” no Centro de São Paulo, constitui ao mesmo tempo um documento do processo de urbanização da cidade de São Paulo e um lugar de memória das questões de gênero e saúde mental em função do local ter servido, ao longo de quarenta anos, como sanatório particular para Sebastiana de Mello Freire, conhecida como Dona Yayá.
a casa
Trata-se de um dos últimos remanescentes do antigo cinturão de chácaras que circundava a região central da cidade. Em 1920 passou ser a residência de Dona Yayá, que sofria de distúrbios psiquiátricos e, segundo orientação médica, deveria ficar isolada do cotidiano da cidade. Sofrendo várias alterações necessárias ao seu tratamento, a casa funcionou como um sanatório particular onde Dona Yayá viveu reclusa até 1961, ano de sua morte. Sem herdeiros, todos os seus bens, incluindo essa casa, foram transferidos à Universidade de São Paulo.
Sob a responsabilidade da USP a partir de 1969, a Casa de Dona Yayá foi reconhecida como um patrimônio cultural pela antiga Comissão do Patrimônio Cultural, tendo sido objeto de estudos documentais e prospectivos que recuperaram vestígios de construções do final do século 19 submersos por reformas e ampliações posteriores, bem como pelas adaptações sofridas para abrigar sua última proprietária.
A Casa de Dona Yayá passou por um cuidadoso trabalho de recuperação e restauro empreendido por especialistas de diversos campos e áreas do conhecimento, que promoveram o reconhecimento do imóvel como lugar de memória e definiram as diretrizes para orientar as intervenções realizadas. Paredes de tijolos, pinturas murais e o próprio jardim permitem recuperar três momentos distintos dessa residência: o chalé de uma chácara rural, uma residência eclética aburguesada em área já urbanizada e por último o sanatório.
Esse processo viabilizou a adequada preservação do imóvel e direcionou sua destinação pública e qualificada, inserindo-a no âmbito da cultura e extensão universitária, que lhe rendeu, em 2004, o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade do IPHAN na categoria Preservação do Patrimônio Cultural. Nesse mesmo ano, com a transferência do Centro de Preservação Cultural da USP para a casa, intensificou-se a reflexão a respeito de sua arquitetura, da história do bairro e da personagem Dona Yayá, e muitas atividades de extensão passaram a ser promovidas, estreitando as relações da Universidade com o bairro da Bela Vista, em particular, e com a sociedade em geral.
Devido ao seu valor como bem cultural e lugar de memória, a Casa de Dona Yayá é tombada pelo Estado de São Paulo, desde 1998, e pelo Município, desde 2002.
dona yayá
Sebastiana de Mello Freire, nascida em 21 de janeiro de 1887, pertenceu a uma aristocrática família paulista marcada por acontecimentos trágicos. Ainda criança, perdeu duas irmãs pequenas, uma delas asfixiada; aos 14 anos perdeu pai e mãe em um intervalo de dois dias; e aos 18 anos perdeu o único irmão, que cometera suicídio durante uma viagem de navio. Sem mais nenhum parente de primeiro grau, Yayá, como era chamada, viveu desde a morte dos pais sob a tutela de Manuel Joaquim de Albuquerque Lins (político liberal que exerceu a presidência de São Paulo entre 1908 e 1912), recomendado pelo próprio pai em testamento, e foi interna no tradicional colégio Nossa Senhora de Sion, frequentado pelas moças da elite paulistana. Em 1914, viajou à Europa em companhia de algumas de suas amigas, por ocasião do início da Primeira Guerra Mundial. Depoimentos dos que conviveram com ela relatam ter sido uma pessoa religiosa, alegre e generosa.
Em 1919, após apresentar recorrentes sinais de desequilíbrio emocional, Dona Yayá foi internada em um hospital psiquiátrico. Parentes próximos e seu tutor seguiram a orientação dos médicos de continuar o tratamento em casa, onde teria mais conforto. Foi comprada então a casa na Rua Major Diogo (antigo número 37, hoje o número 353, no bairro da Bela Vista), para recebê-la. A região era, à época, uma área de chácaras afastada da agitação do centro da cidade, onde até então residira Dona Yayá — um palacete na Rua Sete de Abril. Nessa nova casa Yayá viveu reclusa até seu falecimento, em 1961, passando a maior parte do tempo encerrada nos aposentos adaptados para sua segurança, cercada por parentes distantes, amigos e empregados.
Essa inusitada trajetória, associada à sua destacada posição social, foi alvo de especulações pela imprensa sensacionalista, rendendo alguns artigos no jornal O Parafuso sobre a possível relação entre a interdição e a apropriação de sua fortuna. A história de Dona Yayá instiga a curiosidade e a imaginação dos que dela ouvem falar: ela ora é apresentada como a “louca do Bixiga”, ora como vítima incompreendida pela moral da época em que viveu. A Universidade de São Paulo, por meio do CPC, e tem levado à frente várias pesquisas sobre sua trajetória pessoal e da sua casa, que restaurada e tombada como patrimônio cultural é testemunha dessa história.
Para saber mais sobre a trajetória de Yayá, verifique a exposição digital Yayá — cotidiano, feminismo, doença, riqueza.